terça-feira, 1 de maio de 2012

O Ímpar (The One)

Ela se foi. 

Só depois o herói conseguiu enxergar as coisas como realmente eram...

O silêncio, em sua caverna, serviu para ele como um sermão. Um sermão que nunca em sua vida dura se preparou para ouvir. Viveu ocupado demais. Ora protegendo vilas de criaturas diabrescas, ora colhendo flores raras, em reinos distantes, para sua amada. Construiu nome em batalhas. Honra sobre sangue e lágrimas. Suas feridas se sobrepunham umas às outras. Não havia tempo para cicatrização. Os anos voavam em suas viagens. As guerras deformavam seu corpo.  Sua pele virara uma massa dura, com uma textura asquerosa. Os pelos caíram. Fogo, sal, ferro. Mudava por fora, para manter por dentro o mesmo objetivo:
Voltar para casa e presentear sua princesa de olhos azuis com ouros, joias e as flores mais raras que pudesse encontrar.

 Flores...

Ela tinha um fascínio inexplicável por elas. Pelo menos antigamente...
...

O amor é ilógico.

O corpo humano tem mecanismos involuntários que reagem, instantaneamente, afastando-se de qualquer coisa que possa ameaçá-lo. Reage assim quando submetido a objetos quentes, cortantes, enfim. Ele funciona como uma bússola perfeita para a sobrevivência. O corpo todo, exceto o coração. Sentimos ciúmes, sangramos por dentro e, ao invés de nos afastarmos do que machuca, nos aproximamos mais. Sufocamos e nos sufocamos. Outra prova da ilógica sentimental está na solidão. Por que, quando estamos agonizando por dentro, nos sentindo sozinhos, tendemos a nos isolar ainda mais, nos enterrar mais? Não existe nada dentro de nós que nos aponte uma direção. Muito pelo contrário. 

O coração nos empurra para o caos e a dor sempre.

Aquele homem, naquela situação, fugia do mundo como um verdadeiro eremita. Fazia isso como que submetido a um ato involuntário de seu próprio peito. Queria se isolar. Queria um abraço da noite e somente dela. Não queria ver ninguém. Uma pena não poder se desvencilhar da pior presença. A mais acusadora de todas. 

Estava encurralado naquela caverna de frente para sua própria cara. Cara monstruosa e massuda, revelada por uma delicada poça d’água, iluminada pela luz da lua. 

Mas, o que fizera com ele próprio?...

Sua carne seca não conseguia jorrar lágrimas.  Desejou poder fazer isso. Não conseguiu.
Da caverna podia olhar para o céu. Fez isso. 

No alto, muitas estrelas. Eram como lindos confetes de diamantes congelados no breu. Distantes e frias. O vento alisava a pele seca e insensível do homem. Corpo cansado. Desejava muito conseguir dormir. Infelizmente um dos grandes tormentos do sofredor é a insônia. Já era muito tarde e ele sabia que o sono não vinha por um motivo, sua alma precisava de um destino para viajar. Exausto e triste, ainda insistia em não querer outro lugar que não fosse ao lado de sua amada.

E onde ela estava?...

Seu corpo e alma não cansavam de perguntar.

Olhando para as estrelas, a certeza sádica de que a princesa vivia em algum lugar sob elas doía no peito. 

Se fazia perguntas. Seus olhos distantes enxergavam as histórias mais cruéis que seus sentimentos amargos conseguiam lhe contar. Todas estrelando quem outrora fora sua mulher, em um presente longe dele.

Dor...

Talvez ela não merecesse as joias... 

Talvez não merecesse as flores...

Todos os mimos...

Talvez não merecesse os sonhos e a fé do herói...

Os esforços e as guerras...

Talvez não merecesse nada...

Nada...

...

O que fizera com ele próprio?

Sozinho e bizarro...

Conseguiu chorar. 

Antes, seu sangue por ela. 

Hoje, uma lágrima por ele mesmo.

Chorou mais, deixando difusa a água da poça.

Só depois o herói conseguiu enxergar as coisas como realmente eram.

Ela se foi. 
.
E ponto.

...

Tentou dormir por horas e horas... 

....

O sono não vinha...













(Translation soon)
















 

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